Neste episódio do Pergunta ao GP Jaime Quintas responde a várias questões sobre o conceitos gerais de Gestão de Projetos:
- O que é o projeto?
- O que é o ciclo de vida de um projeto na indústria da construção?
- O que é a tripla restrição?
- O que é que é mais importante? O custo, o prazo ou o produto final?
- Se cumprirmos os objetivos num projeto significa que o projeto foi um sucesso?
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Transcrição
O que é um projeto?
Primeiro que tudo, nós já temos na nossa indústria o projeto enquanto resultado de atividades projetistas, um conjunto de peças escritas, desenhadas, que definem aquilo que é o edifício que se vai construir.
A dada altura alguém traduziu o project management para gestão de projetos e, portanto, aparece aqui outra vez a palavra projeto, mas agora com um significado diferente. É um termo muito ambíguo na indústria da construção.
Mas, neste sentido do que é gestão de projetos, o projeto é um processo. É um processo delimitado no tempo, que tem um objetivo concreto e tem recursos limitados. Portanto, a gestão de projeto trata disto, trata da gestão do processo. Uma vez que é o processo, os projetos são únicos, não há dois projetos iguais. Até podemos ter dois projetos, desenhos dos edifícios iguais, duas casas iguais construídas uma ao lado da outra, mas a verdade é que o processo será sempre diferente. Quando construímos uma estava a chover ou não estava a chover, as pessoas são diferentes, a forma como interagem é diferente, etc. E, portanto, o projeto enquanto processo, o projeto do qual trata a gestão de projetos, é este processo único, limitado no tempo, com um objetivo concreto e recursos limitados para o atingir.
O que é o ciclo de vida de um projeto na indústria da construção?
Os projetos (projeto=processo), têm um ciclo de vida muito padronizado consoante o tipo de projeto. Os projetos de informática terão um, projetos de desenho de produto terão outro e por aí fora.
Na indústria da construção há aqui um padrão de fases, de ciclos, não é que seja uma coisa muito rígida, mas há claramente um padrão que se repete de projeto para projeto. Tipicamente, um projeto na indústria da construção passa por uma fase inicial de definição, em que se define o que é que queremos fazer, em que se estabelecem objetivos, em que se analisa o que é que se vai fazer ou não. Podemos dizer que se calhar termina num programa de projeto ou termina na contratação de uma equipa projetista. Temos a definição, é isto que queremos fazer.
Depois temos uma fase de concepção. Eu faço questão de não a chamar a fase de projeto, porque, mais uma vez, temos a ambiguidade do projeto-processo e do projeto-desenho. E, portanto, chamo-lhe a fase de concepção. Até porque, verdadeiramente, é isso que se está a fazer. Está-se a conceber algo que não existe. Está-se a pegar no papel em branco e criar algo. E, portanto, temos a fase de concepção. É o mundo dos projetistas. É a fase do desenho, de criar algo, de imaginar, de experimentar coisas e por aí fora.
A seguir temos a execução, aquilo que desenhámos, aquilo que concebemos, vamos executar. E, portanto, aqui estamos a falar de executar a obra, de contratar a obra, de fornecimentos e por aí fora. Tudo aquilo que é executar materialmente o que vamos fazer.
E, finalmente, temos o fecho. E o fecho é, desde as recepções, desde os arranques das instalações, preparar o arranque de uma operação, eventualmente instalações de mobiliário, disto e aquilo. Isto não é demasiado definido. Podemos dizer que, se calhar, a contratação da equipa projetista está na fase de concepção ou está na fase de decisão. Não é demasiado relevante. É, sim, um quadro mental de percebermos os vários ambientes de projeto, as coisas diferentes a que temos que dar atenção e por aí fora.
Por exemplo, é na fase de conceção, contrariamente à forma como abordamos muitas vezes o projeto é na fase de concepção que se gasta o dinheiro. E, portanto, na fase de concepção temos que ter isso presente. Estamos na fase de concepção, estamos a desenhar algo. Temos que pensar no dinheiro. É aqui que se define aquilo que vamos gastar e por aí fora. Na fase da execução o mindset é claramente outro. O esforço, o foco é noutra coisa. A energia do projeto está aplicada a executar, a construir, a fazer e por aí fora. E, portanto, temos estas quatro grandes fases, se quisermos, por vezes há aqui sobreposições e adaptações, mas temos estas quatro grandes fases e a forma como gerimos o projeto, a forma como interagimos com as equipas, a forma, o momento em que se estabelecem variáveis críticas do projeto, são diferentes de fase para fase, portanto, claramente, temos que nos adaptar à fase em que estamos.
Portanto, este é, grosso modo, o ciclo de vida de um projeto da indústria da construção, de reabilitação de edifícios e por aí fora.
O que é a tripla restrição?
Quando falamos de gestão de projetos, há três grandes fatores que vão servir de avaliação, se quisermos, quase no final de um projeto, sobre o seu sucesso ou insucesso.
Um deles é o custo. Podemos encarar como um objetivo ou como uma restrição, como um recurso escasso, mas temos o custo. Temos o prazo, ou o tempo, e temos a qualidade. Na literatura aparece muitas vezes a qualidade, por vezes como âmbito. Eu gosto de descrever como o produto final. No fundo é o resultado final, é aquilo que se entrega. E isto é um mais abrangente do que só qualidade, porque tem a ver com o edifício que estamos a fazer. Se tem os quartos que a pessoa queria, se é um escritório, as salas de reunião são o que era preciso para a empresa e por aí fora. Portanto, é qualidade num sentido muito lato. E, portanto, temos estes três fatores, custo, prazo, produto final, que, no fundo, são uma restrição, ou são a tripla restrição, porque eles estão interligados de tal maneira que não nos é possível mexer num sem de alguma maneira afetar pelo menos um dos outros.
Portanto, se nós vamos mexer num prazo, se queremos fazer mais depressa, se queremos apertar o prazo, o que quer que seja, claramente vamos ter que afetar o custo ou ter um impacto qualquer no produto final. E a mesma coisa se pensarmos no custo, se pensarmos no produto final. E, portanto, temos estes três grandes fatores que seguem muito a vida do Gestor de Projeto, de ter que estar a olhar para os três, a monitorizar os três constantemente, porque são, de facto, aquilo que vai transmitir o sucesso ou o insucesso no final do projeto, se chegarmos onde queríamos, verdadeiramente.
O que é que é mais importante? O custo, o prazo ou o produto final?
Temos a tripla restrição, custo, prazo, produto final, que são aqueles ****três grandes fatores que vão servir como medida do sucesso ou insucesso do projeto quando o concluirmos. E, sabendo que é uma restrição, sabendo que não conseguimos mexer num sem afetar os outros, uma pergunta que aparece recorrentemente é: então qual deles é o mais importante? É daquelas perguntas cuja resposta certa será sempre depende. Claro que depende do projeto, depende do cliente, depende do contexto, depende de mil e uma coisas.
Mas, ainda assim, há uma tendência nos projetos que eu acho que importa sublinhar. O custo e o prazo sofrem muito do imediatismo. É muito fácil quando nós estamos a desenvolver um projeto, estejamos nós ainda nos tiradores, estamos já em obra a fazer o que quer que seja, que a pressão do custo e o prazo é muito, muito premente. São decisões no dia-a-dia. Nós queremos acabar a obra daqui a dois meses, temos um orçamento que temos que cumprir. E há aqui um bocadinho, o parente pobre, que é o produto final, que de alguma maneira é relegado para segundo plano e isso não devia acontecer.
Porque, na verdade, eu diria que, à falta de melhor informação, por defeito, o produto final, para mim, será a variável mais importante. E porquê que eu posso dizer isto sem conhecer muito mais sobre o projeto? Eu consigo imaginar um projeto em que acabámos e estamos a passear no edifício concluído e conseguimos imaginar um dono de obra, uma equipa projetista, seja lá quem for o utilizador, olhar para o edifício e dizer: “Isto ficou com uma grande pinta. Olha para isto, já viram? É verdade que demorou um bocadinho mais, mas está com uma grande pinta.”
E ouvimos isto, seja por demorou um bocadinho mais ou seja por custou um bocadinho mais, mas está uma grande pinta, ouvimos isto com um tom positivo de aprovação. Será muito difícil conseguirmos imaginar um cenário qualquer de alguém a passear num edifício e a dizer: “Vocês já viram isto, ficámos dentro do orçamento, isto está uma grande porcaria, mas realmente o orçamento foi impecável, ou o prazo acabou mesmo em cheio, isto não está lá grande coisa, mas o prazo foi muito bom.”- Isto não existe em tom positivo. Ou seja, o produto final tem sempre que estar bem. Independentemente dos outros dois, se o produto final não estiver bem, não satisfizer, o projeto não vai correr bem. A percepção final vai ser sempre negativa.
Portanto, claro que o custo, claro que o prazo são variáveis muito importantes. Haverá projetos em que são mais importantes do que tudo. Imagino quem quer que esteja a fazer o estádio onde vai abrir o Mundial de Futebol, no dia em que abrir o Mundial, aquilo tem que estar pronto. E, portanto, o prazo é fortíssimo a este nível. Mas, na generalidade dos casos, há aqui um enviesamento de abordagem aos projetos porque o produto final tende a ser descurado, não tem aquela pressão do imediatismo quando estamos a desenvolver o projeto e, portanto, estes dois, custo e prazo, damos-lhes uma importância exacerbada.
É fácil haver alguém a dizer, nem pensar, nem mais um euro, nem mais um dia, nem mais não sei o quê. E nós, gestores de projeto, quase que pensamos, bom, estão a dizer isto, quer dizer que podemos prejudicar um bocadinho o produto final em detrimento dos outros dois. Ou em benefício dos outros dois, melhor dizendo. Não, não podemos. O produto final na indústria da construção vai viver durante imenso tempo. Enquanto o custo e o prazo, passado 3 meses do projeto ter acabado, já ninguém se lembra bem do que é que foi, o produto final vai viver, não sei, 10, 15, 20, 30, 50 anos. Vai viver imenso tempo e vai causar uma impressão durante todo este tempo. Por isso, há este enviesamento em que o produto final é maltratado durante o desenvolvimento do projeto e estes dois, custo e prazo, têm aqui uma prevalência grande. Cuidado com isso, temos que ter muito presente quando estamos em obra, sentir a pressão do custo e prazo, na verdade não é, vamos acabar isto dentro deste orçamento, custe e custar, vamos acabar isto dentro do prazo, faça-se o que se fizer.
O que as pessoas estão a dizer, aquilo que está no subconsciente das pessoas é, vamos acabar isto dentro do orçamento, mas tem que ficar impecável, vamos acabar isto dentro do prazo, mas tem que ficar impecável. Em cenário nenhum, ou em muito poucos cenários, seguramente, há muito poucos que eu consigo imaginar, alguém nos está a dizer, temos que acabar isso no prazo, nem que para isso a coisa fique mal. Portanto, será que algum destes que é mais importante? Depende, a não ser que haja provas muito, muito fortes em contrário, eu diria, não se esqueçam do produto final. Deem-lhe atenção, tratem-no com carinho porque é esse que vai marcar uma impressão muito definitiva do que é o projeto e muito dificilmente temos um produto final mau ou que não satisfaça e alguém ficará satisfeito com o resultado do projeto.
Se cumprirmos os objetivos num projeto significa que o projeto foi um sucesso?
Era muito bom que assim fosse, mas não. Temos aqui uma, não sei se é uma variável, mas temos algo muito mais difuso e muito mais volátil do que os objetivos que também temos que satisfazer, que são as expectativas. Se os objetivos são algo muito concreto, que é estabelecido num projeto no início ou durante o projeto, e é estabelecido um objetivo de custo, pode ser estabelecido um objetivo de prazo, pode ser estabelecido um objetivo do que queremos do produto final, podemos ter estes todos ou alguns destes objetivos clarificados. Os objetivos são explícitos, estão espelhados num papel, são concretos, são mensuráveis, são iguais para todos, uma vez que existem fora da cabeça das pessoas e, portanto, nós conseguimos ter esta métrica muito certa de cumprir os objetivos ou não.
As expectativas são algo muito mais difuso e volátil. Para já não são explícitas, são implícitas. É algo que não se diz. É algo que varia ao longo do tempo. Há momentos em que estamos à espera de uma coisa, vamos nos habituando ao projeto, agora afinal quero uma coisa melhor e já sei que se calhar é um pouco mais caro ou não, ou o que for. Portanto, as expectativas variam muito consoante o projeto, todas as nossas expectativas são influenciadas pelas pessoas com que estamos, pela opinião dos outros sobre o projeto, sobre o que estamos a fazer e por aí fora.
E as expectativas são diferentes de pessoa para pessoa. Portanto, cada stakeholder do projeto vai ter expectativas diferentes sobre tudo isto. Mas uma coisa é certa, era ótimo se chegando ao fim do projeto bastasse cumprir com os objetivos e é um sucesso, mas dificilmente conseguimos imaginar um projeto em que cumprimos com os objetivos, mas não com as expectativas, e que isso seja percebido como um sucesso. Até consigo imaginar um projeto em que as expectativas de toda a gente foram satisfeitas e depois quando olhamos para o papel dizemos: mas afinal demorou mais um mês, ou afinal custou mais qualquer coisa ou o que quer que seja, mas que é um sucesso porque as suas expectativas foram satisfeitas e portanto as pessoas estão satisfeitas com o projeto.
Imaginar um em que cumprimos com os objetivos e não com as expectativas e que isso seja visto como algo positivo e como um sucesso é muito, muito difícil. E, portanto, temos que estar muito atentos às expectativas. As expectativas é um mundo de complexidade de gestão, porque, como já o disse, são diferentes pessoa para pessoa, variam ao longo do tempo, são implícitas, não são explícitas, por vezes difíceis de ler. Depois ainda temos outra coisa, que é bem provável que chegando ao fim de um projeto, há tanta gente envolvida, eu vou satisfazer as expectativas de uns e não de outros.
Portanto, quais são os cérebros cujas expectativas nós temos que satisfazer? Temos que conseguir perceber quem são estas pessoas, porque às vezes são pessoas que estão muito distantes do dia-a-dia dos projetos. Quando nós gerimos as expectativas, temos que gerir não só o que estamos a fazer para ver se vai ao encontro das expectativas ou não, mas também temos que ter noção, uma vez que as expectativas variam e são influenciadas por tanta coisa, temos que ter noção de, esperem lá, onde é que está a expectativa? É quase um tiro ao alvo em que nós tanto podemos mexer no alvo como podemos mexer no tiro.
E, portanto, saber quem são as pessoas cujas expectativas devíamos satisfazer e tantas vezes temos surpresa no meio do projeto em que aparece um interlocutor qualquer e percebemos, espera lá, que esta pessoa é que é a pessoa importante ou que tem um peso grande na percepção final do que é o projeto. Mas, portanto, esta gestão de expectativas. Quem são as pessoas que temos que satisfazer? Onde é que elas estão? Será que conseguimos envolvê-las no projeto e gerir as suas expectativas ou percebê-las pelo menos? É, de facto, um trabalho muito difícil, mas é fundamental porque, mais uma vez, não imagino muitos casos em que, cumprindo os objetivos todos, mas não as expectativas, isto seja visto como um sucesso.
Consigo imaginar alguns, ou bastantes, em que cumprimos com as expectativas e que os objetivos passam para o segundo plano, que as pessoas sentem-se verdadeiramente satisfeitas com os projetos. Já agora, não esquecer, se os objetivos podem ser estabelecidos para cada uma destas coisas, expectativas também. Portanto, temos expectativas de várias pessoas que variam ao longo do tempo, que são implícitas e são muito influenciadas pelo contexto e são sobre custo, sobre prazo e sobre também o produto final. Portanto, respondendo à pergunta, não basta cumprirmos os objetivos para poder afirmar que o projeto foi um sucesso.