Neste episódio do Pergunta ao GP Jaime Quintas responde a várias questões sobre o Risco:
- O que é o Risco?
- O que é que podemos fazer relativamente ao Risco?
- Será que o que é incerto ou desconhecido é Risco?
- Como é que devemos gerir o grau certo de aversão ao Risco num projeto?
Episódio completo disponível nos canais habituais da Alphalink:
Transcrição
O que é o risco?
Risco, tema muito recorrente em tudo o que tem a ver com a gestão de projetos. Da forma como vejo, risco é incerteza não controlada por nós que pode afetar o projeto. Portanto, de forma muito resumida, risco é incerteza. Eu gosto de adicionar os outros dois, as outras duas sub-definições ou complementos à definição, incerteza não controlada por nós que pode afetar o projeto.
O risco é diretamente proporcional à probabilidade. A probabilidade de algo acontecer, o risco é maior, e ao impacto. Qual é o impacto que tem? Quanto maior o impacto, maior é o risco. Há quem fale em riscos positivos e negativos. Se o risco é positivo, se o impacto for bom para o projeto, e é negativo se for mau para o projeto. Confesso que não sou fã dessa denominação. Acho que se o risco é positivo e é bom para o projeto, eu chamar-lhe a oportunidade ou outra coisa qualquer. Risco é claramente algo negativo, não é uma expressão que case demasiado bem com uma coisa boa.
Portanto, o risco pode ser calculado, transmite-se um bocadinho as implicações do risco por via da fórmula (R = P x I), em que quanto maior a probabilidade, maior o risco, quanto maior o impacto, maior o risco. Se algo tem uma probabilidade muito elevada, mas o impacto é baixo, poderemos ter formas de abordar, etc.
Mais uma vez, o risco é incerteza não controlada por nós que pode afetar um projeto.
O que é que podemos fazer relativamente ao risco?
Se risco é probabilidade vezes impacto, o que é que podemos fazer para tratar deste risco? Temos quatro medidas principais. Uma delas, desde logo, mitigar. Mitigar é reduzir o risco. Ora, se risco é a probabilidade vezes impacto, para reduzir o risco, nós tanto podemos reduzir a probabilidade como o impacto. Imaginem, por exemplo, estamos num projeto, queremos fazer qualquer demolição, queremos ver se conseguimos licenciar uma demolição no edifício existente e à parte do edifício que daria jeito de demolir, mas estamos com dúvidas se será que isto vai ser aprovado, se será que não vai ser aprovado. E, portanto, há aqui um risco de vamos submeter o projeto, vamos deixar que ele correr até ao fim, vamos gastar muito tempo nisso e há um risco, mas se isto não for aprovado, vamos ter que refazer o projeto, o que é que vai acontecer? Claramente tem um impacto forte, não só teríamos caso não fosse aprovado, temos que refazer projetos, perdemos este tempo todo e, se calhar, a forma como o projeto vai ficar no final não era aquilo que nós queríamos.
E, portanto, o que é que podemos fazer sobre isto? Para reduzir a probabilidade, imagino que possamos, se calhar, abordar uma Câmara Municipal, ter uma reunião com o técnico, explicar o projeto. Será que isso vai reduzir a probabilidade do projeto ser rejeitado, sim ou não? Talvez, podemos pensar nisso.
Para reduzir o impacto. Podemos fazer várias coisas, desde assegurar que essa zona do projeto não tem tanta importância como isso e se tivermos que refazê-la mais tarde não temos que afetar o edifício como um todo e, portanto, é ali uma alteração pontual. Isso claramente reduziria o impacto. Podemos, mais uma vez, ter uma obra segregada que permita ter uma frente de obra diferente e que a obra não abranda caso nos cruzemos com problemas à frente sobre este tema. Há aqui várias coisas que, com imaginação, podemos pensar e ver: eu aqui consigo mitigar o risco, reduzir o risco, reduzindo o valor ou da probabilidade ao impacto.
Outra segunda medida clássica que podemos ter sobre o risco tem a ver com evitar, pura e simplesmente. Evitar o risco é dar a volta por outro lado e se esta zona que eu queria demolir era para fazer o auditório, vou pôr o auditório no outro lado e, portanto, deixa de haver o risco. Ou seja, deixei de fazer isto, fiz outra coisa qualquer, que provavelmente pode acarretar outros riscos, mas contornei claramente este risco. Este é o clássico, se eu tenho medo de andar de avião, pois posso ir de carro. Evitei o risco da queda do avião, em detrimento ou em troca por um risco de um acidente automóvel.
Transferir o risco. Terceira medida. O que é que é o transferir o risco? O caso clássico mais académico são as companhias de seguros. Eu, quando transfiro o risco, estou a transferir o risco para a companhia de seguros. Vou pagar um prémio de risco e a companhia de seguros assume este risco. Na verdade, isto é falacioso, porque o que eu transfiro não é o risco. O que eu transfiro são alguns dos impactos desse risco. Seria muito bom eu poder transferir o risco, fazer um seguro de vida e, portanto, agora o risco de perder a vida deixou de ser meu, passou a ser da seguradora. Isto era bestial, ainda não encontrei um seguro que o permita. Na verdade, o que nós transferimos para a seguradora são alguns dos impactos, é o impacto financeiro.
Por exemplo, passe a redundância do projeto que estamos na dúvida se vai ser autorizada a demolição ou não, eu podia ter contratado a equipa da arquitetura e dizer, nós vamos submeter, mas o risco é vosso, caso isto não seja aprovado, vocês têm que refazer o projeto a vossas custas. Sim, transferi para esta equipa o impacto financeiro do ter que redesenhar o projeto. Não há dúvida de que, se calhar vou ter que pagar um prémio, mas transferi este risco. E, portanto, se o projeto for chumbado, eu vou ter que redesenhar uma série de coisas e isso não me vai custar mais dinheiro em termos de honorários de projetos. Mas foi só isso que transferi. Agora, o impacto de tempo, a demora, a chatice que é o não poder fazer aquilo que eu queria, nada disso é transferido.
Portanto, esta transferência do risco é algo falacioso e não se deixa englobar demasiado por transferência de risco. É muito comum na negociação contratual de uma obra falar-se do vou transferir o risco ao empreiteiro, quando, na verdade, o risco do atraso da obra, o risco dos trabalhos a mais, nós não conseguimos transferir. Conseguimos transferir alguns dos impactos, mas não mais do que isso.
Portanto, temos mitigar, temos evitar, temos transferir, finalmente podemos simplesmente aceitar. No caso do licenciamento, vamos submeter o projeto, o mais bem informado possível, o mais bem justificado possível, mas vamos submeter o projeto e se não for aceite pela Câmara, vamos ter que o redesenhar e vamos ter que fazer o que daí decorrer. E, portanto, aceitamos o risco e continuamos com o nosso projeto.
Portanto, estas são as quatro principais, as quatro grandes medidas daquilo que podemos fazer quando estamos a falar de riscos. Chamo aqui a atenção uma coisa que é, não faz sentido nenhum, isto que vou dizer é óbvio, mas por vezes esquecemos e no calor de um projeto deixamos passar, não faz sentido nenhum que o impacto da mitigação ou o impacto da transferência ou o impacto do evitar seja maior do que o impacto do risco que estamos a tratar.
O que é que eu quero dizer com isto? Se eu estou na dúvida, se calhar vou ter que refazer o projeto e isso pode me custar mais 50 mil euros de honorários de projeto, não faz sentido pagar um acréscimo aos projetistas de 60 mil euros para eles assumirem este risco. Mas isto acontece muitas vezes. É tão fácil resvalarmos por aqui abaixo e de repente estamos a querer proteger-nos de riscos incertos assumindo impactos de forma certa. Impactos que são, por vezes, tão grandes ou maiores do que o impacto do próprio risco. Por isso, deixo esta nota, não nos deixemos embarcar por esta gestão do risco muito criteriosa, esquecendo que, cuidado, aquilo que eu vou pagar, aquilo que eu vou ter de suportar para evitar ou minimizar determinado impacto, não pode ser maior do que esse impacto, não faz sentido nenhum.
Resumindo, o que é que podemos fazer ao risco? Temos estas quatro medidas principais. Mitigar, que é reduzir o risco. Evitar, transferir e aceitar o risco.
Será que tudo o que é incerto ou desconhecido é risco?
Se calhar de outra maneira. Por que é que eu, na minha definição do risco, digo que risco é a incerteza não controlada por nós? Então, nem tudo o que é desconhecido é incerteza, para começar. Por exemplo, eu não sei qual é a distância entre a ponta do nariz da estátua do Marquês de Pombal e o cocuruto da Torre dos Clérigos, não sei qual é, mas não é incerta. Portanto, é desconhecida, mas não é incerta. Podemos olhar agora para determinada obra, será que o volume de betão numa laje, será que é incerto? Eu não sei qual é, posso ter dúvidas nas quantidades ou não. Não é incerto, não é um risco, não há um risco associado àquele volume. Se eu tentar estimar, a minha estimativa, essa sim é incerta e pode haver um risco associado. Mas é questão de medir ou é questão de pedir a mais alguém para estimar ou o que for. Portanto, não, nem tudo que é incerto é risco. Temos que ter bem a certeza que nem tudo o que é desconhecido é risco. Temos que perceber se aquilo que desconhecemos será que é incerto ou não. Será que tem ali uma variabilidade sim ou não.
Depois há outra coisa que é nem toda a incerteza é risco. Incerteza que nós controlamos não é risco. E aqui cai-se muitas vezes em projetos, em gerir isto, coisas que somos nós quem controla, como se isto fosse um risco e tentar transferir para outro. Vou-vos dar um exemplo. Estamos a fazer um projeto, imaginem, um projeto de escritório, podia ser um hotel, mas num projeto de escritórios e há determinada sala, um auditório, que ainda não sabemos bem como é que vai ser ou não vai ser. E, portanto, nós vamos contratar a obra no momento em que aquele auditório é uma caixa branca, não sabemos ainda o que é que lá vai acontecer dentro. Mas, às vezes, caímos naquela ânsia de eu queria fechar este preço. E, portanto, vamos dizer a um empreiteiro, não, ele sabe mais ou menos já como é que nós queremos o resto do projeto, conhece o resto do projeto e, portanto, o auditório é uma extensão do resto do projeto, o empreiteiro fixa o preço disto.
E estamos a fazer isto, a achar que estamos a mitigar o risco, que estamos a transferir o risco para o empreiteiro. Mas não estamos, porque isto para nós não é um risco. Mais uma vez, somos nós, nós, cliente, que controla a equipa projetista e por aí fora, é o cliente quem controla o que é que vai ser aquele auditório. Portanto, o cliente tanto pode querer que o auditório custe 100€ como custe 1.000€. Vai depender dele, são as decisões dele que vão levar a que isto custe o que quer que seja.
Por outro lado, para o empreiteiro, isto é um risco tremendo, porque o empreiteiro, sim, vai olhar para uma coisa e vai dizer, espera lá, eu vou assumir uma incerteza que eu não controlo, porque na hora da verdade quem vai controlar o que isto é e, como tal, o preço disto, não sou eu. É o cliente, é o projetista, é quem for. E, portanto, para o empreiteiro, sim, isso é um risco tremendo. E, quando ele vai assumir esse risco tremendo, vai ter que pôr um prémio de risco e mais. Depois, em obra, vamos ter um conjunto de dores de cabeça sem grande interesse.
Mas, portanto, sublinharem o ponto, que é o mais importante, não é tanto o auditório ou não, o ponto é que incerteza controlada por nós não é um risco. Eu, quando vou a um restaurante, não sei se vou gastar 10 euros ou 100 euros ou 1000 euros na refeição, mas eu vou controlar o que vou pedir. E a mesma coisa nas obras, no projeto, em função daquilo que estamos a fazer. E, portanto, não, estas duas coisas não são risco. Nem todo o desconhecido é risco, porque nem todo o desconhecido é incerto, e às vezes o esforço é, então vamos lá avaliar as quantidades, o que é que seja daquilo que eu não conheço, mas que é certo, e a segunda, a incerteza controlada por nós não é um risco. E se pensarem bem nos projetos que estão a desenvolver, na forma como estão a contratar obras, a contratar recursos, projetistas a desenvolver os projetos, vão ver que se vão deparar constantemente com estas duas coisas, que de repente estamos a tratá-las como se fossem riscos e a tirar-lhes para cima uma carga que estas coisas não têm. E essa carga vai ser nefasta, vai contar para negativos, na verdade. Portanto, não, estes dois pontos não são um risco, devem ser geridos de maneira diferente.
Como é que devemos gerir o grau certo da aversão ao risco num projeto?
Por aversão a risco entenda-se receio. É normal que nós tenhamos receio, respeito, pela incerteza, pelo impacto que isso possa trazer e por aí fora. E, portanto, uma dose temperada e razoável de receio, de aversão, de cautela, é muito, muito recomendável, sem dúvida nenhuma. E, portanto, o que vou dizer a seguir não retira valor nenhum a este bocadinho de aversão ao risco que todos devemos ter.
Quando trazemos para um projeto a aversão ao risco, quando este receio é demasiado, na Alphalink andamos muito de moto. A Alphalink tem uma política em que quem cá trabalha tem direito a uma moto, somos uma empresa muito motociclista. E quase todos nós sabemos o perigo que é andar com alguém à pendura que tem medo de andar de moto. E, portanto, claramente o medo faz-nos ficar rígidos, faz-nos fazer coisas estranhas, faz-nos ter reações estranhíssimas. E, portanto, quando esta reação, quando este receio, esta aversão ao risco é demasiada, vamos trazer ao projeto um conjunto de coisas que podem não funcionar. E corremos o sério risco, e agora sim o risco de fazer asneiras de não desenvolver o projeto da melhor forma. Muitas vezes caímos na falácia de raciocínio de achar que o risco e as medidas que podemos fazer em relação ao risco é um jogo de soma/nula, no sentido em que se eu sou mais avesso ao risco, o risco vai diminuir, se eu sou menos avesso ao risco, o risco vai aumentar e, portanto, quanto mais cautela tiver, menor é o risco, quanto menos cautela tiver, mais arriscado vai ser o que é que seja que eu faça.
Mas isto não é um jogo de soma/nula. Há muitos cenários em que menos cautela, menos aversão ao risco, reflete-se em menor risco. E aqui dou-vos o exemplo, não é do mundo da construção, mas o exemplo da bicicleta. Um exemplo que trago comigo há muito tempo. Nós, quando olhamos para uma bicicleta, vemos um veículo com duas rodas fininhas, uma à frente da outra. Para quem nunca andou de bicicleta, aquilo não faz sentido nenhum. Só um tarado é que se ia pôr em cima daquilo a pedalar por aí fora. Uma criança olha para aquilo e o primeiro instinto é, pá, deixem-me lá pôr umas rodinhas, porque senão isto vai ser um perigo. E quando nós olhamos para uma bicicleta com rodinhas, é pá, vemos o miúdo, o esforço constante para pedalar, para manter a bicicleta a andar. Aquilo que cai em que nem tordes, apanha uma pedrinha, um buraco, a subir um passeio, a descer um passeio, o que é que seja, aquilo que cai logo, que é um tripé todo desconchavado. Seguro não é com certeza. Não tem graça nenhuma, a verdade é essa. E, portanto, temos um veículo que de repente parece que é mais seguro, pusemos ali umas medidas de compensação do risco que parece que vão trazer alguma segurança e aquilo não funciona. E quando tiramos as rodinhas à bicicleta, de repente temos uma coisa que anda muito mais depressa, muito mais eficiente, gastamos muito menos energia, é muito mais giro, é muito mais divertido e é muito mais seguro, curiosamente, por muito que não nos pareça. Tem uma nuance, temos que saber andar de bicicleta.
E, portanto, eu diria que nos projetos, quando nós trazemos a aversão ao risco ao projeto, ou quando trazemos a cautela, temos que saber andar de bicicleta. Se nós tivermos, portanto, o foco, não tem que estar a pôr medidas de rigidez, graus de rigidez na forma como contratamos uma obra, como vamos gerir um processo de arqueologia, como vamos gerir um licenciamento, como vamos desenvolver a gestão de custos de um projeto. Se nós começamos a trazer graus fixação, aprender restrições, aprender variáveis do projeto, aprender graus de liberdade do projeto de forma artificial e muito forçada. Pode parecer, ou podemos achar, que estamos a reduzir o risco, mas não estamos. Na verdade, estamos a aumentar. E, portanto, eu acho que temos que ter muita cautela com o grau de aversão ao risco que trazemos ao projeto, porque há um momento, e esse momento é mais cedo do que pensamos, há um momento em que isso é altamente contraproducente para o projeto, em que começamos a fazer coisas que achamos que estão a reduzir o risco, mas estão a transformar em, numa certeza, coisas que vão correr mal, seguramente.
E, portanto, eu diria, acho que se formos ser demasiado avesso ao risco num projeto, é tremendamente arriscado. E, portanto, não o recomendo. Portanto, acho que é preciso aqui muito contrapeso e medida, muito bom senso, mas, tipicamente, precisamos de ser muito menos avessos ao risco do que o cliente, em particular quem não é da indústria, mas muitas vezes quem é da indústria, quando se abeira de um projeto, vem com um grau de aversão ao risco. Eu diria, genericamente, o problema é deparar-me com clientes, com projetos em que a abordagem é demasiado avesso ao risco. Não é comum ter um projeto que eu diga, isto é demasiado aberto ao risco.
S im, temos que ter alguma cautela, claro que sim. Temos que ter muita consciência do que estamos a fazer. Mas, cuidado, se trazem muita aversão para o risco, e é fácil que isso aconteça, é uma chatice e o risco passa a ser uma certeza. Portanto, ser avesso ao risco é, seguramente, muito arriscado a partir de certo nível.