Compatibilização de projetos

Em luta com a compatibilização de projetos? Leia isto!

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Introdução

Ninguém terá dúvidas da importância que tem para um projeto/empreendimento a fase de concepção – aqui se define o produto que vai ser construído, como vai ser construído, quanto vai custar e muito mais.

Um dos desafios desta fase é a coordenação e compatibilização de projetos, que se não for bem feita (e é difícil que seja bem feita) tem implicações em todas as frentes do projeto, com especial impacto em custo, prazo e no próprio produto final.

Na indústria é corrente utilizar-se o termo “Coordenador de Projeto”, sendo que a definição deste papel é confusa e ambígua. Misturam-se neste papel várias coisas que, por não estarem claras e separadas, tendem a diluir responsabilidades, a criar vazios de atuação e muitos outros problemas associados.

Definições

A bem da clarificação dos vários papéis num projeto, separo dois conceitos:

Coordenação de Projeto (design management, em inglês): Coordenar atividades, faseamentos, quem faz o quê, acompanhar as várias atividades e perceber como está a funcionar a equipa, etc. Nesta definição,

Coordenação de Projeto tem a ver com o processo.

Compatibilização de Projeto: Assegurar que todos os projetos (arquitetura e especialidades) estão compatibilizados entre si, estão bem interligados, que os requisitos cruzados que cada projeto tem sobre os restantes estão assegurados, etc.

Compatibilização de Projeto tem a ver com o produto/objeto.

Este artigo aborda o tema da Compatibilização de Projeto, não tanto a Coordenação.

Duas visões sobre a compatibilização de projetos

Identifico duas grandes abordagens alternativas à forma como vemos o papel do compatibilizador de projeto:

O Grande Compatibilizador: existe alguém responsável pela compatibilização de todos os projetos, tendo para isso de verificar a compatibilização e interligação de todos os projetos, nas diversas fases, e dar instruções aos vários projetistas sobre o que deve ser ajustado.

Auto-compatibilização: Cada projetista é responsável por assegurar que o seu projeto é compatível com todos os restantes, sendo sua responsabilidade verificar que:

  • Os requisitos que tem sobre outros projetos estão assegurados – necessidades de alimentações, suporte, etc.
  • Tem a informação necessária e consegue a assegurar os requisitos que os outros projetos tenham sobre o seu – alimentações, suporte, etc.

Nesta abordagem o papel do compatibilizador de projeto é de resolução das questões de compatibilidade que precisem de uma visão global do projeto para ser resolvidas (p.ex. linhas gerais da geometria, a localização de grandes equipamentos e sistemas, etc.).

A primeira abordagem – O Grande Compatibilizador – é talvez a mais comum na indústria, aquela que a generalidade dos projetistas assume ou espera venha a ser instituída. Neste artigo defendo que esta abordagem não funciona, devendo antes ser aplicada uma abordagem com foco na auto-compatibilização.

Não vou detalhar aqui a análise dos principais regulamentos que tratam da coordenação de projetos. A discussão sobre o que diz ou não a regulamentação é secundária para esta discussão, pois o que se discute neste artigo é qual a melhor abordagem à coordenação de projetos e essa discussão acontece a montante da legislação, podendo até, no limite, influenciar atualizações futuras da própria legislação.

De toda a forma, e para acalmar alguns anseios regulamentares, parece-me que a forma como estão escritos os regulamentos a este respeito é ambígua, permitindo, em minha opinião, tanto uma leitura na linha d’O Grande Compatibilizador como na linha da auto-compatibilização.

Deixarei para um próximo artigo uma análise mais detalhada destes regulamentos, nomeadamente:

  • Portaria 255/2023 de 7 de agosto, sobre as fases de projeto, sua constituição e outros temas (que substitui a velhinha portaria 701-H de 2008)
  • Lei 31/2009 de 3 de julho, sobre a qualificação e responsabilidade dos vários técnicos envolvidos no projeto e obra.

Discussão

Não existe um compatibilizador omnisciente e omnipresente

Uma abordagem na linha d’O Grande Compatibilizador pressupõe que este é omnisciente e omnipresente, que domina todos os aspetos técnicos, conhece todos os requisitos cruzados entre projetos, está sempre presente e a par de toda a informação e de todas as decisões.

A verdade é que na maioria dos casos esta pessoa não existe ou não está disponível, e estruturar um processo com base em recursos que não existem não pode dar bom resultado. Por esta razão, a abordagem d’O Grande Compatibilizador está condenada ao fracasso na maioria dos casos.

Já na abordagem de auto-compatibilização isso não é um problema. Cada um dos projetistas está bem ciente do que necessita dos outros projetos para que o seu funcione, e consegue também recolher facilmente informação sobre o que tem de assegurar aos outros projetos. Se esta for uma atitude/preocupação constante ao longo do projeto, incluindo na verificação das fases intermédias dos vários projetos que afetam o seu, será muito mais fácil conseguir obter projetos bem compatibilizados.

Projetar de forma descompatibilizada para depois compatibilizar não faz sentido

Compatibilizar não é uma ação independente do ato de projetar. É quando se projeta algo – se desenha, calcula ou imagina – que temos de assegurar que é compatível com o restante. Se não asseguramos esta compatibilidade quando projetamos, então só por uma coincidência cósmica é que o desenho resultaria em algo bem compatibilizado.

Uma abordagem do tipo O Grande Compatibilizador leva a que se desenvolvam projetos descompatibilizados, competindo depois ao suposto compatibilizador de projeto detectar todos esses problemas e solicitar a sua correção. Trata-se de um processo que resulta sempre em projetos incompatíveis que têm depois de ser corrigidos, com mais trabalho para toda a equipa de projeto, demorando mais tempo e consumindo muito mais energia de todos.

Já numa abordagem de auto compatibilização isso não acontece. Cada projetista sabe, quando está a pensar o projeto, que tem de assegurar a sua compatibilização, fazendo todas as perguntas necessárias, procurando informação relevante junto de outros projetistas e verificando os restantes projetos no que ao cruzamento com o seu diz respeito nas mais diversas fases.

Responsabilidade dos projetistas

A responsabilidade de cada projetista é conceber um edifício/estrutura/instalação/etc. que funcione, sirva bem o projeto global e vá ao encontro dos requisitos do cliente.
Os edifícios são um entrançado complexo de instalações e sistemas (incluo aqui a arquitetura, estrutura e estudos vários, claro está), e qualquer um deles apenas funciona corretamente se estiver bem ligado e compatibilizado com todos os restantes.
Resulta daqui que é responsabilidade de cada projetista conceber uma instalação ou sistema que funcione de forma compatibilizada com todos os outros.
Não faz qualquer sentido separar a responsabilidade de compatibilização da responsabilidade técnica de projetar. Projetar bem é projetar de forma compatibilizada, e isso é responsabilidade de cada projetista.

Notas adicionais

O papel da arquitetura

A arquitetura tem, naturalmente, um papel central na compatibilização dos projetos. Tudo o que tenha a ver com a geometria do edifício (dimensões, alturas, caminhos de instalações, áreas para isto e aquilo, etc.) passa forçosamente pela arquitetura, que tem de alguma forma o papel de “dono do objeto”.
Compete à arquitetura, na maioria dos casos, decidir como se molda o edifício para encaixar as várias necessidades – Baixamos um teto ou desviamos as condutas? Desviamos um pilar ou muda a porta de sítio? …).

Ainda assim, defendo que tem de haver uma atitude de auto-compatibilização da parte de cada projetista no momento de projetar, alertando para colisões, problemas de espaço, requisitos por satisfazer e tudo o mais. Não se pode encarar a arquitetura como um Grande Compatibilizador que irá resolver tudo futuramente.

O papel do Coordenador de Projeto

O papel do Coordenador de Projeto, agora que se isolou a compatibilização, fica assim mais claro.
Tem de coordenar as atividades de todos, gerir informação, acompanhar os trabalhos e canais de comunicação, assegurar decisões e validações no devido tempo, assegurar que a equipa tem os requisitos certos na altura certa, etc.

O BIM

Corre por aí que o BIM vai resolver todos os problemas de compatibilização.
Importa sublinhar que a metodologia BIM, no que à compatibilização diz respeito, é uma ferramenta, nada mais. Uma ferramenta potente, mas apenas uma ferramenta.

A este respeito digo apenas que para que o BIM nos traga bons resultados:

  • Precisa do hardware certo para correr.
  • Precisa do software certo para funcionar.
  • Mas acima de tudo precisa do mindware adequado para que saibamos como o utilizar.

O que digo neste artigo sobre a postura relativamente à compatibilização tem a ver com este mindware.

Jaime Quintas

Ilustração de Ana Salvado | Todos os direitos reservados

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